domingo, 10 de novembro de 2024

DESIRELESS DE "VOYAGE, VOYAGE" (1986) SE APOSENTOU E LARGOU A MÚSICA

DESIRELESS - "VOYAGE, VOYAGE" (1986) - CANTORA FRANCESA SE AFASTA DE VEZ DA MÚSICA

Boa aposentadoria, Desireless!!

O assunto de hoje não é Eurodance, mas está ali, lado-a-lado, fazendo você dançar em qualquer festa onde executado. É um Euro-Pop de grande excelência, dono de um sintentizador hipnotizante e com aquela atmosfera mágica que só a década de 80 poderia nos oferecer!

Estou falando do clássico imortal de Desireless - "Voyage, Voyage" (1986), um mega sucesso entre 1986/1988 e que chegou ao número um em muitas paradas de singles europeias e asiáticas. O videoclipe foi dirigido por Bettina Rheims e mostrou ao público uma cantora com um estilo andrógino, semelhante a uma onda de outras cantoras contemporâneas, como Annie Lennox e Grace Jones.

O nome real dessa cantora é Claudie Fritsch-Mentrop, ela é francesa, nascida numa data natalina (25 de dezembro de 1952), cresceu ouvindo música clássica e jazz, além de ser fã de David Bowie, Bob Dylan e de Joni Mitchell (se influenciando muito nestes três quando começou a cantar profissionalmente). 

Lembro-me com muita exatidão de ouvir "Voyage, Voyage" num programa de flashback da Dumont FM nos anos 90 (enquanto eu trabalhava com meu pai), e nessas ouvidas sempre conectava a sonoridade da música ao movimento LGBT, e detalhe que eu nem tinha visto ainda a imagem ambígua da cantora, apenas ouvia o seu sintetizador cativante, a voz sisuda e a sua poética melodia.

O olhar sempre gélido de Desireless

O COMEÇO DE DESIRELESS

Antes de fazer sucesso como cantora, Claudie Fritsch-Mentrop teve uma breve carreira como designer de moda (lançando uma coleção com o amigo Claude Sabbah). Ela também já havia feito várias viagens à Índia em 1980, então, assim como a cantora do projeto Randy Bush (Emy Berti), ela encontrou uma filosofia de vida com meditações, mantras, adorações à divindades e yogas. Logo Claudie descobriu também que o seu lugar era na música, e passou a cantar em alguns grupos musicais franceses. 

Claudie conheceu em seguida o produtor Jean-Michel Rivat (em 1984), que futuramente escreveria e produziria todas as músicas de seu primeiro álbum. Já no ano seguinte, 1985, Claudie conheceu François Tabah, com quem se relacionou amorosamente por 18 anos (ela não era lésbica, como eu presumia na minha adolescência).

Antes de ser Desireless e antes gravar "Voyage, Voyage"

Após gravar algumas canções com o grupo Air 89, que também era produzido por Jean-Michel Rivat, Claudie recebeu um convite para gravar o seu single solo - "Voyage, Voyage", e assim o fez, em 1986.

Desireless foi o nome artístico batizado para iniciar a sua carreira solo, um nome escolhido por ela mesma - "Sem desejo" - já envolvida em toda a filosofia indiana. Há quem diga que, para criar este nome, ela se inspirou no livro "The Stranger" do filósofo francês Albert Camus, mas há também rumores de que ela se inspirou no livro "O Pequeno Príncipe" de Antoine de Saint-Exupéry

O NASCIMENTO DO HINO

A letra de "Voyage, Voyage" foi escrita por Jean-Michel Rivat e Dominique Dubois, dupla que inicialmente queria que um cantor mais popular a gravasse, então foi oferecida à Michel Delpech, este que recusou gravá-la. 

Em seguida, "Voyage Voyage" então foi oferecida à Claudie, que já era uma artista que trabalhava com Jean-Michel Rivat e que estava buscando por uma carreira solo. 

O resultado disso? Claudie fez um trabalho majestoso e que sobrevive aí até hoje, sendo uma das músicas mais célebres de toda a década de 80 e ainda muito tocada em festas, rádios, jingles publicitários, e etc.

Desireless - "Voyage, Voyage" (1986)
Video Official
A introdução da faixa com o vibrante sintetizador já é arrepiante por si só, mas aí entra a voz e o estilo melancólico de cantar da Desireless e tudo se transforma nessa obra de arte atmosférica e viajante!

"Voyage, Voyage" tem uma letra inteligente, elogiada e reflexiva. É tudo sobre viajar, mas não apenas se locomover de um lugar para outro, mas também é sobre mudar de conceitos, conhecer novas pessoas, se aperfeiçoar, crescer com novas experiências, sair de uma zona de conforto, arriscar e tentar a sorte no desconhecido.

Desireless com "Voyage, Voyage" alcançou altas posições nas paradas europeias e foi um sucesso instantâneo nas boates e FM's, inclusive aqui no Brasil. 

Foi também uma das músicas temas de um seriado teen muito famoso na década de 80: Voyagers- Os Viajantes do Tempo, que foi transmitido no SBT. Era sobre um menino e um jovem que possuíam um medalhão mágico que lhes permitiam viajar no tempo para resolver problemas. É considerado por muitos como um dos melhores seriados para adolescentes que já passou na televisão brasileira.

Desireless - "Voyage,Voyage" (vinil francês)
Recentemente a música "Voyage, Voyage" chamou a atenção por alcançar 208 milhões de streaming no Spotify

Demorou um pouco, mas Desireless lançou o seu segundo single, "John" (1988). Esta nova produção fez um significativo sucesso europeu, contudo, aqui no Brasil não teve nenhum impacto e passou despercebido. Aliás, Desireless não voltou a ter mais nenhuma outra faixa de sucesso em terras brasileiras além de "Voyage, Voyage", infelizmente.

Em 1989, a cantora lançou o terceiro single chamado "Qui Sommes Nous", sempre cantando em francês e mantendo o seu estilo tão marcante.

LANÇAMENTO DO ÁLBUM DE DESIRELESS:

Geralmente quando uma música explode nas paradas, os produtores e a própria gravadora colocam o cantor para gravar um disco completo com várias faixas o mais urgente possível, e ainda pressionam para que ele faça isso o mais rápido que puder - justamente para aproveitarem todo o embalo do primeiro hít  -  mas, estranhamente demorou três anos para que o primeiro álbum de Desireless ficasse pronto

Eis que no ano de 1989, finalmente é lançado "François", o primeiro álbum solo de Desireless e que trazia este título em homenagem ao seu namorado, François Tabah.

O primeiro e clássico álbum de Desireless - "François" (1989 - edição japonesa)
Músicas de fato construídas, cada detalhe rítmico e harmônico altamente calculado.

O álbum foi distribuído em muitos lugares do mundo, chegando inclusive a ser lançado no Brasil em vinil, no ano de 1990 - pela Discos CBS (que era um subselo da Columbia / Sony). Só é uma pena a versão CD não ter saído por aqui também.

Desireless lançou depois dois singles em 1990: "Elle Est Comme Les Étoiles" e "Hari Ôm Ramakrishna". Passaram longe da popularidade de "Voyage, Voyage", obviamente.

DESENTENDIMENTOS COM A GRAVADORA E NASCIMENTO DA FILHA

Ainda em 1990, nasceu a primeira filha de Claudie e com isso a cantora deixou a vida artística para se dedicar à sua família. Existia também alguns rumores que apontavam que a cantora não aceitava algumas decisões de sua gravadora, a CBS (Sony), e que a empresa queria tomar a frente de tudo, inclusive queria fazer ao seu modo toda a produção do segundo disco. Claudie já não estava satisfeita com a divisão de lucros das vendas de seu primeiro álbum, então rompeu com todos estes profissionais da CBS.

Desireless demorou 4 anos para retornar à cena musical. Seu segundo álbum "I Love You" foi lançado em 1994, e como no primeiro trabalho quem obteve grande parte dos lucros foi o produtor Jean-Michel Rivat (ele foi o produtor, compositor, letrista e arranjador), então Claudie resolveu escrever muitas das faixas de seu novo disco. O estilo do álbum também foi alterado, afinal, agora estavámos em 1994 e aquele sintentizador, apesar de avassalador, estava totalmente fora de moda.

Desireless - "I Love You" (1994)
O aguardado segundo álbum saiu por uma gravadora pequena da França: Pense À Moi

É lógico que jamais Desireless conseguiria superar o sucesso do álbum anterior, que trazia o hino "Voyage, Voyage", mas, apesar da pequena distribuição do novo disco (apenas França e Alemanha receberam este lançamento), ainda assim "I Love You" foi elogiado pelo público. Com o fim da promoção do novo trabalho, a cantora resolveu dar uma pausa na carreira em 1995.

DESIRELESS FOI SE AFASTANDO DAS PARADAS

Desde que deu uma pausa em sua carreira, em 1995, Desireless adotou um estilo de vida longe dos holofotes, contudo, ainda fazia alguns festivais retrô pela Europa. A artista foi se desconectando aos poucos da fama e focando mais em seus hobbies particulares, como cultivando jardins e buscando explorar a sua espiritualidade.

Com o passar dos anos, Desireless se tornou uma artista para um público menor, sendo totalmente independente e sem caráter comercial, mas apesar de seu declínio em popularidade, a vocalista ainda lançava alguns discos. O seu último álbum, por exemplo, teve lançamento em 2017 (ela lançou ao todo 11 discos após o primeiro "François").

Depois disso, poucas notícias de Desireless surgiram na imprensa, e sua última aparição registrada num palco é de 2018.

No mesmo ano de 2018, um ano após lançar o seu último disco, Desireless afirmou: “Eu sobrevivo cantando 'Voyage, Voyage' em meus shows. Se eu fosse a produtora e compositora, seria muito rica, no entanto, eu sou apenas a intérprete”

Após 2018, Desireless desapareceu totalmente da mídia, dos shows retrôs (que costumava fazer), e boatos sobre o seu completo afastamento começaram a circular pela impresa francesa...  Mas, seria verdade que ela abandonaria de vez os estúdios e palcos?? 

Desireless em 2018
Ela trocou aquele corte de cabelo exuberante por simples flores em sua cabeça

VIAJOU DEMAIS

Ao meu ver, a Desireless do primeiro disco foi apenas um projeto controlado e comandado pela gravadora e por seus produtores... Já a Desireless do segundo disco (em diante) é a artista real, sozinha e sem cordões. Tem uma boa voz e de fato nasceu para ser artista, no entanto, apenas isso não é o suficiente para se manter. Aquela união de talentos e pensamentos artísticos do primeiro álbum foi insuperável e fez toda a diferença, trazendo até a ela o reconhecimento mundial. Mas, aí também vem aqueles questionamentos inevitáveis: Ela está feliz assim? Vale a pena você ser reconhecido, e ver sujeitos enriquecendo às suas custas?

DESIRELESS SE APOSENTOU E NÃO QUER MAIS OUVIR FALAR SOBRE MÚSICA

A cantora, que hoje está com 71 anos de idade, infelizmente não quer mais cantar e nem estar conectada ao mundo dos famosos, conforme relatou uma de suas melhores amigas no último dia 08 de novembro em um programa de TV francês chamado “Chez Jordan”.

Amiga de Desireless informou seu afastamento da música: "Ela não quer mais ouvir falar sobre música"

Chantal Richard, mais conhecida como Sloane, é uma cantora popular na França e muito amiga de Desireless, então ela levou essas tristes novidades à TV francesa: 

"Desireless não quer retomar à música, quer apenas cuidar das coisas dela... Ela tem um pouco de dificuldade para andar, pois quando você envelhece, às vezes você precisa perder peso, e o peso afeta bastante quando se tem problemas de saúde... Mas ela é uma mulher maravilhosa, tem um talento incrível. E é puro amor!"

Sloane já havia falado sobre Desireless anteriormente na TV francesa, em 2023, e disse que a cantora queria se afastar do entretenimento, dos palcos e da música, e agora apenas reforçou que isso já está acontecendo. Sloane também mencionou que Desireless sofreu uma queda durante uma turnê quando ia para o hotel: "Ela estava muito cansada e cortou a boca". 

A cantora e amiga de Desireless continuou: "Ela se aposentou, não quer mais falar sobre música, quer se manter distante. À medida que envelhecemos vamos nos cansando e foi isso que aconteceu com ela. Desireless estava muito exausta, não aguentava mais... estava muito farta de tudo....e nesses casos é preciso ter uma mente de aço. Se Desireless tem outros planos em mente, que a agradem mais do que fazer turnês e cantar, ela partiu em direção à eles”.

Desireless dezembro de 2023
Créditos: instagram oficial de Desireless


CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Hoje a Desireless não tem nada a ver com aquela Desireless estilosa e com aquele seu semblante pesado e penetrante que conquistou o mundo. É uma artista com saúde debilitada, sentindo o reflexo do tempo em seu corpo limitado e em sua mente exausta; no entanto, DESIRELESS marcou uma época estupenda e se tornou um grande ícone dos anos 80, algo supremo e absoluto que o tempo e nem ninguém poderá apagar.

Excedeu décadas, e viverá eternellement.


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